A criança e o direito fundamental de brincar
Por Paulo Castro (*)
De 19 a 26 de maio, acontece a Semana Mundial do Brincar, realizada no Brasil e em pelo menos outros 19 países, por iniciativa do movimento global Alliance for Childhood (Aliança pela Infância). Em muitas cidades, em diferentes espaços, profissionais de distintas áreas, educadores e, claro, crianças estarão envolvidos em uma multiplicidade de iniciativas em torno do brincar.
Mas, afinal, por que se tornou importante discutir o brincar, se parece algo tão natural da infância? Talvez uma das respostas seja esta: o direito ao brincar está gravemente ameaçado pelas circunstâncias do mundo em que vivemos e pelas escolhas que fizemos enquanto sociedade.
Nossa sociedade se tornou uma terra árida para o brincar. As ruas ficaram perigosas e perderam a condição de zona livre, onde as crianças se encontram, correm e brincam. Os condomínios se tornaram bunkers de um brincar empobrecido, reduzido a três ou quatro brinquedões perdidos no paisagismo. Os pais às vezes passam mais tempo nos engarrafamentos do trânsito do que com os filhos. Neste contexto, o brincar foi relegado ao caráter de ocupação do tempo ocioso, um vale-tudo no qual ganham terreno os jogos eletrônicos e as opções de lazer solitário e virtual, como a televisão e o computador.
O tema do brincar nos mostra como a própria ideia de vida infantil precisa ser repensada com urgência. A infância vem sendo tratada como algo periférico, cuja importância se joga sempre para frente. Há apenas algumas décadas, a sociedade ainda tolerava o uso de crianças como força de trabalho. Agora, reduzimos a infância ao seu devir, como se falássemos sempre de futuros alunos, futuros adolescentes, futuros adultos, futuros trabalhadores. Mas a criança não é futuro, é presente, e precisa ser compreendida e respeitada em seus direitos fundamentais, entre eles o direito ao brincar – este, sim, seu verdadeiro “trabalho”, como dizia Piaget.
A infância é uma etapa singular e estruturante para o desenvolvimento humano, na qual o brincar é um processo fundamental. Pelo brincar, as crianças significam o mundo, vivenciam o papel dos adultos com os quais convivem, expressam sentimentos, entendem regras, aprendem a se relacionar com os outros e consigo mesmas, ampliam sua visão de mundo. Ao brincar, as crianças se apropriam das tradições às quais pertencem e, ao mesmo tempo, produzem e reproduzem cultura.
Embora exista um consenso científico bastante consolidado sobre a importância do brincar, mesmo nos espaços educativos por excelência, como as escolas, o tempo do brincar é cada vez mais pressionado e relegado a um plano irrelevante, cedendo lugar à urgência em antecipar a entrada da criança na escola formal.
Por isso, recuperar urgentemente a importância do brincar é um papel da família – que impactará também sobre o que se faz nas escolas.
É vital que os pais assegurem o espaço do brincar com qualidade, ou seja, como um processo de interação social, do qual a família inclusive participa. Até porque brincar também dá prazer aos adultos, desde que entrem de cabeça e se despojem de preconceitos, aceitem o inesperado, estabeleçam relações horizontais e espontâneas com as crianças no momento do brincar.
Por fim, no que se refere à vida familiar, precisamos recordar que o brincar é, por excelência, uma ponte intergeracional – as brincadeiras passam de pais para filhos por incontáveis gerações, e essa riqueza tende a se perder quando pais e filhos não brincam mais juntos.
Precisamos, portanto, agir com intencionalidade, proporcionando oportunidades diversificadas para o brincar – a diversidade é uma palavra-chave para a infância. O papel do adulto não é dirigir brincadeiras, como mais uma tarefa em que a liberdade se perde, mas garantir que o brincar encontre caminhos e floresça.
No Instituto C&A, o brincar está presente desde o início das suas atividades, há mais de 20 anos, como uma das marcas de seu programa de voluntariado corporativo. Esta vocação nasceu da própria gênese do programa, composto em sua maior parte por jovens, que abraçaram a causa voluntária e viram espontaneamente no brincar uma forma de contribuir com a sociedade da qual participam. Todos os dias, em alguma cidade do Brasil, há voluntários da C&A sentados com crianças, contando histórias, fazendo teatro, brincando, cantando. Este espírito está presente em outras áreas de ação do Instituto C&A, como a formação de professores, no projeto Paralapracá, que tem no brincar um eixo fundamental.
Temos, enfim, uma excelente oportunidade para nos lembrar de que brincadeira é coisa séria. É tempo de agir pela infância, de forma incisiva e lúcida. O brincar deve ocupar um lugar muito especial entre o conjunto dos direitos que as crianças precisam ver garantidos – por tudo o que simboliza para a criança, para a sociedade e para a própria espécie humana.
(*) Paulo Castro é diretor-executivo do Instituto C&A.
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