Os muitos porquês da avaliação na educação infantil
Salvador (BA) — A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2015 como o Ano Internacional da Avaliação. Na educação infantil, a questão é alvo de debates e tem estado bastante presente no cenário brasileiro. Prova disso é o recém-aprovado documento Avaliação Nacional da Educação Infantil (Anei), criado pelo Ministério da Educação (MEC) para propor o acompanhamento de uma série de indicadores sobre as condições de atendimento dessa etapa da educação, como oferta de vagas, infraestrutura, perfil dos profissionais e educadores, recursos pedagógicos e gestão do sistema.
Maria Thereza Marcilio, gestora da ONG Avante – Educação e Mobilização Social, apoia a ideia de se avaliar a educação infantil. “Na medida em que a educação infantil é incorporada à educação básica, existe uma demanda da avaliação dessa oferta”, justifica. “É recurso público, faz parte de um todo que tem seus protocolos de avaliação. É legítimo que se avalie a oferta da educação”, opina.
Na visão de Maria Thereza, avaliar a educação infantil é imprescindível para a garantia do direito à educação. “Um instrumento de avaliação da oferta é não só necessário, como também urgente e fundamental, para que a gente ofereça uma educação infantil de qualidade. É importante avaliar para ter controle social. A educação infantil está de fato fazendo o que pedem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil? Considera a diversidade? Facilita o acesso à informação? É um espaço propício de desenvolvimento integral? Inclui a família?”, questiona.
Janine Schultz, coordenadora dos programas Educação Infantil e Educação Integral do Instituto C&A, concorda: “A avaliação é importante porque é por meio dela que conseguimos aferir a qualidade dos processos que estão sendo desenvolvidos. As ferramentas e os instrumentos avaliativos têm que ser elaborados a partir da perspectiva do que estamos buscando, que é o desenvolvimento integral das crianças na educação infantil”. O papel da avaliação, reforça Janine, volta-se a construir e a aprimorar a educação.
Segundo Bruna Ribeiro, avaliadora da consultoria Move, de São Paulo (SP), a avaliação é uma estratégia para que a expansão da oferta da educação infantil, que vem ocorrendo no país, não aconteça em detrimento da qualidade. Conforme define a meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE), a educação para as crianças de 4 a 5 anos deve ser universalizada até 2016 e a oferta em creches deve se ampliar, de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até 2024.
Um dos caminhos para o cumprimento desta meta, a estratégia 1.6 do PNE, é a implantação, até o próximo ano, de avaliação da educação infantil — a ser realizada a cada dois anos, para “aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes”.
A avaliação do desenvolvimento da criança, no entanto, não cabe a esses instrumentos. Conforme definem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e asDiretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a avaliação do desenvolvimento da criança deve ser feita por meio da observação e do registro dos profissionais que atuam diretamente com elas, nas unidades de educação infantil.
“Qualquer situação que coloque a criança em situação de pressão não cabe. A ideia não é comparar uma criança com a outra, mas com seu próprio processo de desenvolvimento.Trata-se de verificar e acompanhar o desenvolvimento de cada criança”, endossa a especialista da Move.
Como lembra Janine Schultz, as crianças têm seus próprios ritmos, e as etapas de desenvolvimento são atingidas de forma muito diferente em cada indivíduo. “Para avaliar a criança, é preciso levar em conta em que contexto a avaliação está acontecendo e como essa avaliação está olhando para cada criança, com todas as suas características biológicas, sociais e culturais”, aponta a coordenadora.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil indicam que a avaliação nas instituições de educação infantil deve focar o desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de seleção, promoção e qualificação, garantindo a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e das interações das crianças; a utilização de múltiplos registros; a continuidade dos processos de aprendizagens; e a não retenção das crianças na educação infantil. A resolução estabelece, ainda, a elaboração de um documento específico que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição e os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças.
Desde 2013, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) também passou a prever a expedição de documentos que permitam atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. “É uma documentação que deve acompanhar a criança. Conceitualmente, muitos autores vão dizer que a documentação é um objeto de fronteiras, que liga os lugares distintos que a criança percorre”, sinaliza Bruna Ribeiro.
Para Maria Thereza, a avaliação da criança é polêmica por envolver uma série de questões emblemáticas: Qual a concepção de desenvolvimento humano que temos? Como estabelecer indicadores de desenvolvimento infantil sem considerar contextos de iniquidade? Como criar indicadores que tragam os contextos e as iniquidades do contexto? Se temos uma orientação legal de que o ser humano é um ser diverso, como criar indicadores de desenvolvimento padrão? Se reconhecemos que os centros de educação infantil ainda precisam de muito investimento para se constituírem locais adequados, como vamos avaliar desenvolvimento?
“Temos muito chão para andar, mas estamos caminhando”, analisa Maria Thereza. “Se avaliar é reconhecer uma grandeza, uma intensidade, uma força, eu preciso dela na educação infantil. E preciso ter elementos para fazer essa avaliação. Uma avaliação que contribua para que a educação infantil seja vista nesse lugar de valor, de força, de grandeza e de merecimento, e que a gente possa mostrar como as crianças aprendem e crescem”, sinaliza.
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