A avaliação da Educação Infantil e a garantia de direitos
Por Paulo Castro*
As estatísticas recentes confirmam a expansão do atendimento das crianças de 0 a 3 anos, em creches, e de 4 e 5 anos, em pré-escolas. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, 81,2% das crianças de 4 e 5 anos encontram-se matriculadas no sistema escolar. Na faixa etária de 0 a 3 anos, não contemplada nesta Pnad, os números disponíveis mostram que o atendimento quase dobrou entre 2001 e 2012, chegando a 23,5% da população.
Mas é preciso ressaltar que a garantia do direito à educação infantil, uma grande conquista da sociedade brasileira, não pode ser compreendida apenas na dimensão do acesso à escola. Devemos, como sociedade, pensar a democratização do acesso a partir de parâmetros de qualidade. Afinal, que escola é esta que queremos para as crianças do Brasil?
Esta pergunta é indissociável do processo de avaliação da educação infantil, determinada no Plano Nacional de Educação (PNE), na meta de número 1 – a mesma que estabelece que 50% das crianças de 0 a 3 anos tenham vagas asseguradas em uma década e que 100% da população de 4 e 5 anos seja atendida em pré-escolas até 2016.
A avaliação da qualidade sempre foi um tema sensível no mundo da educação pelos riscos embutidos em modelos que desconsideram as condições estruturais de ensino, desrespeitam diferenças regionais e os contextos socioeconômicos de origem e colocam sobre o aluno, a escola e o professor o ônus pelo fracasso de um sistema que, na verdade, funciona em cadeia. Mas avançamos neste debate – e esta também é uma conquista importante, consagrada no texto do PNE.
A avaliação – prática que se presta ao aperfeiçoamento de métodos, processos e profissionais – precisa ser igualmente compreendida na perspectiva dos direitos. Afinal, em última instância, também se constitui em um recurso para que a sociedade civil possa acompanhar os avanços e retrocessos na garantia do direito da criança à educação e exercer seu papel no controle social das políticas públicas.
Ocorre que avaliar não é um verbo intransitivo: precisamos saber quem e o que estamos avaliando, a partir de que parâmetros, com quais objetivos e por meio de que metodologia. Enfim: a que concepção de educação infantil corresponderá a avaliação escolhida?
Temos documentos de referência de qualidade reconhecida, como os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil, mas é uma prática distante desses preceitos. A avaliação deve permitir que aproximemos o trabalho efetivo das creches e pré-escolas dos princípios estabelecidos nesses textos, em vez de empobrecer os conceitos para que fiquem menos distantes do mundo real.
A primeira infância corresponde a uma das mais complexas etapas do desenvolvimento humano. A partir de contribuições de áreas distintas como a educação, as neurociências e a economia, o investimento na educação infantil ganha relevância crescente no mundo desenvolvido – e a garantia do acesso a creches e pré-escolas na rede pública é uma conquista promissora da sociedade brasileira.
Porém a inserção da pré-escola no contexto da educação obrigatória embute riscos, especialmente o de se considerar esta etapa tão somente uma antecipação dos objetivos do ensino fundamental, drenando toda a atenção para aprendizagens centrais da etapa posterior, como a alfabetização.
Há muitas outras dimensões envolvidas na educação de crianças pequenas, em uma abordagem integral do desenvolvimento, que abrange o desenvolvimento sensório-motor, aspectos cognitivos, a sociabilização, a interação com a família, partes de um todo inseparável. Ou seja, um trabalho de muita responsabilidade que nada tem a ver com uma educação da infância focada na puericultura e no cuidado.
Na visão ampliada do papel da educação infantil, até mesmo procedimentos cotidianos como a alimentação e a higiene pessoal ganham conotações educativas, que estão ligadas à conquista da autonomia, da segurança afetiva e da aprendizagem. Tudo isso necessariamente passa pelos profissionais envolvidos (entre eles, mas não só, o professor), pela sua formação inicial e continuada, sua valorização e apoio às suas práticas.
Estamos, portanto, diante de uma decisão urgente e que impactará o futuro da educação e da sociedade brasileira. Uma educação infantil de qualidade vai reverberar em todas as dimensões da vida social hoje e ao longo do tempo. O que está em jogo não é a construção de mais um referencial estatístico, mas sim a implementação de um modelo de avaliação que consolide a importância da educação infantil para o conjunto da sociedade brasileira.
* Paulo Castro é economista e diretor-executivo do Instituto C&A
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